por Marcelo Negrão

Após décadas circulando na região do centro, pude reparar recentemente com mais atenção, que tem exposto um pedaço de trilhos de bonde, em frente a nova instalação do Sesc, no edifício João Brícola, espaço que fica no centro de São Paulo e que abrigou as tradicionais lojas do Mappin e da Casas Bahia.

Antigamente circulava um bonde, que saia da Rua Xavier de Toledo passava em frente ao Teatro Municipal e depois seguia em direção a Consolação. Mesmo sendo um curioso pelas histórias da minha cidade, passei várias vezes neste local sem perceber, a existência de algo importante e histórico.

Assim como eu, tiveram outros curiosos vendo fotografar, e foram se aproximando para ver, do que se tratava meu objeto de interesse. Muitos pais que estavam com os filhos, ficaram surpresos e falavam para as crianças sobre os bondes.

Inclusive, eu já tinha visto em outro bairro, mais um trecho de trilhos na rua Visconde de Parnaíba. Até 2011, o caminho era usado por um bonde, de prefixo 38 e tinha capacidade para transportar 42 pessoas, que servia aos visitantes do Museu da Imigração, na mesma via, até a estação Bresser. O bonde foi abandonado, sofrendo deterioração pelo tempo e o que sobrou do veículo, retornou para o seu fabricante na cidade litorânea de Santos.

São essas pequenas extensões, que resgatam a memória da cidade e jamais podem ser ignoradas, mesmo com todo o avanço da tecnologia e a correria do dia a dia, temos que estar atentos mesmo quando o celular tira nossa atenção dos arredores de onde circulamos, pois, algo representativo pode ter uma significância para as novas gerações, entender como foi o passado para construção das necessidades do progresso com foco no futuro.

Light S/A

Tudo começou em 1872, quando a cidade ainda tinha pouco mais de 30 mil habitantes e os veículos eram puxados por burros. Os bondes foram os principais meios de transporte público de São Paulo por décadas.

A Light S/A, produzia energia elétrica empregada na iluminação pública e residencial, e também passou a criar um sistema de bondes elétricos. Era um projeto sofisticado, vislumbrando o crescimento da cidade e a organização geral do transporte de passageiros. Em negociação com a prefeitura, a Light S/A determinou em cláusula do contrato de monopólio para exploração do transporte de carga e de passageiros por 40 anos.

Desta forma, não poderiam existir linhas de bondes de outras companhias. A Light S/A também obteve o monopólio de distribuição e exploração da energia elétrica, a empresa teve intensa participação na formação da cidade. A primeira linha de bonde elétrico foi inaugurada em 7 de maio de 1900, fazendo o trajeto do Largo de São Bento à Barra Funda.

Com o passar do tempo, São Paulo chegou a ter 60 linhas de bondes: Penha, Lapa, Mooca, Vila Mariana, Santana, Pinheiros, Ponte Grande e Jardins eram alguns dos destinos. A capital paulista foi a quarta do país a ter bonde elétrico e por 68 anos a cidade experimentou um grande desenvolvimento urbano, porém o centro da cidade já apresentava grandes congestionamentos.

Com a superlotação dos bondes as primeiras empresas de ônibus surgiram, ameaçando o monopólio do transporte de passageiros. Em 1947, após a não renovação do contrato com a Light S/A, a operação dos bondes passou para recém-criada Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC). Em março de 1968, uma frota de 12 bondes correria pela última vez as avenidas Ibirapuera, Vereador José Diniz e Adolfo Pinheiro até Santo Amaro.

Trilhos encontrados

Em janeiro de 2023, a Prefeitura de São Paulo deu início a uma nova fase da reforma das calçadas de ruas do Centro antigo. A principal mudança será o fim do piso de pedras portuguesas, que se tornou um símbolo do Centro. Durante as obras de revitalização do Vale do Anhangabaú, a Prefeitura encontrou trilhos de bondes embaixo da pavimentação com pedras portuguesas, na esquina com a Avenida São João.

A descoberta remete a um período das antigas linhas de bonde da cidade, com mais de cem anos. A cidade chegou a ter 160 km de trilhos nos anos 30, quase o dobro do que existe de malha metroviária nos dias de hoje. As obras nos calçadões de várias regiões – além do centro também foi encontrado em Pinheiros e Santo Amaro – revelando um sítio arqueológico de linhas férreas.

Os trilhos encontrados serão em parte mantidos no local, como testemunhos da memória ferroviária e da São Paulo do século passado. Além disso, como os trilhos estavam abaixo do piso atual, precisarão ser removidos para uma realocação para a mesma altura do calçadão, que permita a visualização e o fluxo de pedestres.

No processo de desativação dos bondes, não houve um devido cuidado quando muitas ruas e avenidas foram adequadas para receberem os automóveis. Os trilhos acabaram sendo cobertos pelo asfalto, assim como as famosas ruas de paralelepípedos. Então, quando uma grande obra é realizada na cidade, é comum acharem os trilhos enterrados.

Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que os trilhos encontrados ficarão em exposição, e que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) foi acionado para o acompanhamento do processo de remoção dos materiais encontrados nas escavações das obras.

Marcelo Negrão é pesquisador, entrevistador, produtor cultural e responsável pelo Projeto Attitude. Clique e saiba mais sobre o autor e seu trabalho.